Alinhamento de interesses entre gestores e investidores
- Alexandre Sallum
- 24 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de jan.
O alinhamento de interesses é essencial em qualquer negócio onde se deseja promover a obtenção de resultados favoráveis. A criação dos famosos mecanismos de ganha-ganha e perde-perde ajuda a motivar e recompensar as pessoas para o atingimento de um objetivo comum.
Como que essa dinâmica pode ser percebida no trabalho de gestão financeira?
Tradicionalmente os fundos trabalham com uma taxa percentual fixa sobre o patrimônio do fundo e uma taxa variável sobre a performance que exceder o benchmark. Para explorar o alinhamento que essas remunerações geram, vamos primeiro entender os objetivos de cada parte desse relacionamento:
Investidor: O investidor de um fundo em geral está buscando crescer ou proteger seu patrimônio. Ele pode querer fazer isso no curto ou no longo prazo, tomando mais ou menos risco. Ele pode estar também buscando promover frentes específicas como agendas ESG, de educação, inovação ou até mesmo investimentos puramente beneméritos.
Gestor: O gestor tem o trabalho de receber os recursos do investidor e alocá-los da maneira mais eficiente possível, em busca dos objetivos do investidor. Ele precisa também administrar a própria empresa e promover sua sobrevivência e crescimento, de modo geral buscando maximizar seus próprios lucros ao longo do tempo.
É justamente esse último ponto que começa a gerar um problema no alinhamento de interesses - o gestor, bem como qualquer profissional, busca maximizar seu próprio lucro, mas para fazer isso ele tem 3 alternativas: 1) aumentar sua base de clientes; 2) tentar fazer o fundo render mais; e 3) cobrar uma taxa maior.
A alternativa 1) aumentar a base de clientes - pode trazer uma perda de foco – onde o gestor passa a dedicar mais recursos para o comercial do que para a análise. Além disso pode levar também à necessidade da cobrança de taxas maiores que possibilitem a contratação de um distribuidor ou a remuneração de agentes intermediários. Pode também atrapalhar a tomada de decisão da gestão do fundo em si, ao gerar um foco maior na variação do valor da cota de curto prazo do que no resultado de longo prazo.
A alternativa 2) render mais - é incerta e pode levar o gestor a tomar mais risco em prol de mais rendimentos e do recebimento da taxa de performance, lembrando que se o fundo performar mal, ele não perde nada além de uma base de cálculo menor para a taxa fixa.
A alternativa 3) aumentar a taxa - gera um prejuízo imediato ao investidor, pois tudo que é pago em taxas, deixa de ser rendimentos das aplicações.
Assim, vemos que na verdade pode existir um desalinhamento de interesses basal na gestão financeira, que pode vir a prejudicar o investidor que não estiver atento aos detalhes da contratação e operação do gestor.
E o que pode ser feito para desembaraçar esse nó?
Em primeiro lugar, precisamos tentar convergir os objetivos de ambas as partes. Para isso, precisamos que o objetivo do gestor tenha mais peso em “fazer o fundo render mais e com mais segurança” do que “ter uma receita maior com a taxa de administração”.
Existem duas formas de promover isso:
A primeira é o gestor e sua equipe terem um investimento de recursos próprios significativo no fundo, a tal ponto que o lucro que ele pode vir a ter através do rendimento de seus próprios recursos seja maior do que o lucro que ele pode vir a ter através da receita da taxa de administração.
A segunda, derivada dessa, é a redução da taxa de administração em si.
Podemos até tentar fazer uma conta matemática para entender o quanto do fundo o gestor precisa ser “dono” para que o interesse dele seja maior na rentabilidade do que na taxa, vamos ver:

Queremos que:

Portanto:

Digamos que o gestor cobre 2% a.a. sobre a parcela do fundo que não é dele (mesmo que ele cobre sobre a parcela dele, no fim esse dinheiro volta para ele mesmo...). Digamos que o rendimento acima do benchmark do fundo seja de 4% a.a. (um valor médio com base no resultado histórico de fundos com mais de 20 anos atuação) e a taxa de performance de 20%.

Ou seja:

Se considerarmos que:

Então:

Concluímos que o gestor precisa ser investidor de ao menos 41% do patrimônio do fundo para sua receita recebida por conta da rentabilidade do fundo seja no mínimo equiparada a receita recebida por taxa de administração. Mesmo assim, quanto maior a participação dele no fundo, e quanto menor a taxa de administração, maior será o interesse na rentabilidade, e menor na taxa de adm.
A partir do momento em que o gestor possui uma participação relevante no patrimônio do fundo e uma taxa baixa de administração, uma outra forma de aumentar o alinhamento de interesses entre gestor e investidor, é de eliminar a taxa de performance. Apesar de parecer contraintuitivo, dado que o gestor já estará recebendo os frutos de uma boa performance por ter seu próprio dinheiro aplicado no fundo, e o ônus de uma performance ruim, não é necessário ter uma taxa de performance, que pode incentivar a tomada de riscos desnecessários em busca de retornos de curto prazo.
Por fim, precisamos alinhar também o time como um todo. Neste caso, além de ser positivo o time em si ter patrimônio pessoal no fundo, é interessante que a remuneração deles esteja mais atrelada com os resultados de longo prazo do que com os resultados de curto prazo, novamente para não incentivar a tomada de decisão com base em “receber um bônus maior no fim do ano”. O mecanismo mais comum para isso é o incentivo através de equity, ou seja participação na própria empresa gestora que só gera valor no longo prazo, ao invés de remunerações variáveis de fim de ano que geram valor no curto prazo.
Concluindo, essas são algumas das formas que encontramos e adotamos para gerar o maior alinhamento possível entre a gestão e os cotista dos nossos fundos:
Patrimônio próprio relevante aplicado no fundo
Baixas taxas de adm
Sem taxa de performance
Remuneração do time com mais peso em equity
Gostou do artigo? Fique a vontade para marcar uma conversa!



